Por Ana Charlene Negreiros[1]
Resta devidamente enfatizada e legalmente
fundamentada a inserção do direito à educação dentre os chamados direitos
fundamentais sociais[2],
no bojo de nossa Carta Magna, bem como dentro da evolução histórica do
reconhecimento destes direitos. Fora dito também que os direitos sociais são
marcadamente direitos prestacionais, que para sua efetivação clamam por uma
atuação positiva por parte do Estado, no sentido de conferir efetividade,
inclusive, aos chamados direitos de primeira dimensão (geração).[3]
Discutimos, nesta esteira de idéias, que tal atuação estatal se dá marcadamente
através das políticas públicas, embora a via judicial venha sendo utilizada de
modo a dar efetividade as disposições normativas constantemente relegadas ao status de letra morta.[4]
Não obstante todos os direitos fundamentais em última
análise representem custos aos cofres públicos – não se levando em consideração
aqui o caráter da aplicabilidade imediata dos direitos sociais de caráter
negativo, mas os “custos institucionais” inerentes a todos os direitos -, a atuação
positiva do Estado no sentido de efetivar as prestações objeto dos direitos
sociais prestacionais possui forte relevância econômica, uma vez que para tal
desiderato faz-se necessária considerável onerosidade ao erário.[5]
Com clareza, assevera Sarlet:
"Diretamente vinculada a esta característica dos direitos fundamentais sociais a prestações está a problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência de meios para cumprir com sua obrigação."[6]
Neste sentido, imprescindível à investigação da
efetividade dos direitos fundamentais, em especial o direito à educação, é o
estudo do financiamento e efetivação destes por parte do Estado, uma vez que o
planejamento, controle e alocação dos recursos necessários ao implemento da
obrigação imposta pela norma, das políticas públicas, está contido no orçamento
público.
Ainda que o Estado tenha uma possibilidade material
de disposição dos recursos advindos de suas diversas receitas, detém capacidade
limitada de disposição destes recursos por uma série de mecanismos legalmente
instituídos. O orçamento, ao desempenhar sua função de planejamento das
atividades, metas, receitas e despesas do Estado em todos seus âmbitos de
atuação representa de forma clara um desses limitadores.
Com efeito, em recente tese de doutorado, a
pesquisadora Adriana A. Dragone Silveira analisou a atuação do Tribunal de
Justiça de São Paulo a partir de casos concretos, julgados entre 1991 e 2008, acerca
da possibilidade de acesso a educação básica e seus desdobramentos valendo-se
da atuação jurisdicional, constatando que “os principais obstáculos para a
exigibilidade do direito a educação estão relacionados, sobretudo às questões
de orçamento público, aos limites da discricionariedade do administrador e do
campo decisório do Judiciário e ao atendimento às demandas difusas e coletivas
envolvendo a formulação e a implementação de políticas públicas.”[7]
Nesse sentido, um dos mais usuais argumentos de que
se vale o administrador público para eximir-se de seu dever de cumprimento da
contraprestação dos direitos fundamentais sociais é a alegação da carência de
recursos financeiros, sob a alegação da chamada reserva do possível.
De forma concisa, Sarlet conceitua a reserva do
possível como sendo uma limitação jurídica e fática dos direitos fundamentais,
ao passo que, em caso de conflito de direitos, seria uma garantia a salvaguarda
de outro direito fundamental. Segundo o autor, trata-se de uma construção
humana em face da impossibilidade de satisfação simultânea de todas as
necessidades, constituindo uma condição da realidade ao exigir “um mínimo de
coerência entre a realidade e a ordenação normativa objeto da regulação
jurídica.”[8]
Assim sendo, até que ponto tal argumento pode
interferir na plena realização dos direitos sociais, sem constituir, no
entanto, justificativa para inação por parte do executivo? É o que abordaremos
em breve. Até lá!
[1] Estudante
de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto
Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2]
Ingo W. Sarlet, em “A eficácia dos
direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucionais” faz uma interessante discussão acerca da
utilização indistinta das expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais”, diferenciando-os, na medida em que aqueles relacionam-se aos
documentos do direito internacional, que reconhecem direitos inerentes ao ser
humano em caráter universal, ao passo que estes referem-se aos direitos humanos
reconhecidos e positivados no direito constitucional de um determinado Estado.
[3]
Sarlet na referida obra, adere à terminologia “dimensão” ao referir-se as gradações
evolutivas dos direitos fundamentais, uma vez que o termo “geração” dá
impressão de alternância destes direitos, o que não corresponde a moderna
concepção de que tal evolução se dá em processo cumulativo e de
complementaridade destes.
[4]
Neste sentido, SILVEIRA, Adriana A. Dragone, em sua tese de doutorado, “O direito à educação de crianças e
adolescentes: análise do Tribunal de Justiça de São Paulo (19991-2008)”,
faz interessante crítica acerca da possibilidade de efetivação do direito a
educação na via judicial a partir da análise de julgados do TJ/SP entre 1991 e
2008. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/opa/es_1_54.pdf,
acessado em 12 de fevereiro de 2012.
[5]
Basile Christopoulos em “Orçamento e Efetivação dos Direitos Sociais” traz à
baila a tese da indivisibilidade dos direitos fundamentais defendida por Gustavo
Amaral, na medida em tais direitos, em maior ou menor proporção, representam
alguma despesa ao Estado, razão pela qual devem ser tratados de maneira
igualitária sob a ótica do Direito Financeiro. Disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-19-SETEMBRO-2009-BASILE-GEORGES.pdf,
acessada em 01 de fevereiro de 2012.
[6]
SARLET, Ingo W. A Eficácia dos Direitos
Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucionais”. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2009. P.286.
[8]
SARLET, Ingo W. op. Cit. p.288