sexta-feira, 30 de março de 2012

Limitações orçamentárias à efetivação dos direitos fundamentais: breves apontamentos

Por Ana Charlene Negreiros[1]

Resta devidamente enfatizada e legalmente fundamentada a inserção do direito à educação dentre os chamados direitos fundamentais sociais[2], no bojo de nossa Carta Magna, bem como dentro da evolução histórica do reconhecimento destes direitos. Fora dito também que os direitos sociais são marcadamente direitos prestacionais, que para sua efetivação clamam por uma atuação positiva por parte do Estado, no sentido de conferir efetividade, inclusive, aos chamados direitos de primeira dimensão (geração).[3] Discutimos, nesta esteira de idéias, que tal atuação estatal se dá marcadamente através das políticas públicas, embora a via judicial venha sendo utilizada de modo a dar efetividade as disposições normativas constantemente relegadas ao status de letra morta.[4]

Não obstante todos os direitos fundamentais em última análise representem custos aos cofres públicos – não se levando em consideração aqui o caráter da aplicabilidade imediata dos direitos sociais de caráter negativo, mas os “custos institucionais” inerentes a todos os direitos -, a atuação positiva do Estado no sentido de efetivar as prestações objeto dos direitos sociais prestacionais possui forte relevância econômica, uma vez que para tal desiderato faz-se necessária considerável onerosidade ao erário.[5]

Com clareza, assevera Sarlet: 
"Diretamente vinculada a esta característica dos direitos fundamentais sociais a prestações está a problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência de meios para cumprir com sua obrigação."[6]

Neste sentido, imprescindível à investigação da efetividade dos direitos fundamentais, em especial o direito à educação, é o estudo do financiamento e efetivação destes por parte do Estado, uma vez que o planejamento, controle e alocação dos recursos necessários ao implemento da obrigação imposta pela norma, das políticas públicas, está contido no orçamento público.

Ainda que o Estado tenha uma possibilidade material de disposição dos recursos advindos de suas diversas receitas, detém capacidade limitada de disposição destes recursos por uma série de mecanismos legalmente instituídos. O orçamento, ao desempenhar sua função de planejamento das atividades, metas, receitas e despesas do Estado em todos seus âmbitos de atuação representa de forma clara um desses limitadores.

Com efeito, em recente tese de doutorado, a pesquisadora Adriana A. Dragone Silveira analisou a atuação do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir de casos concretos, julgados entre 1991 e 2008, acerca da possibilidade de acesso a educação básica e seus desdobramentos valendo-se da atuação jurisdicional, constatando que “os principais obstáculos para a exigibilidade do direito a educação estão relacionados, sobretudo às questões de orçamento público, aos limites da discricionariedade do administrador e do campo decisório do Judiciário e ao atendimento às demandas difusas e coletivas envolvendo a formulação e a implementação de políticas públicas.”[7]

Nesse sentido, um dos mais usuais argumentos de que se vale o administrador público para eximir-se de seu dever de cumprimento da contraprestação dos direitos fundamentais sociais é a alegação da carência de recursos financeiros, sob a alegação da chamada reserva do possível.

De forma concisa, Sarlet conceitua a reserva do possível como sendo uma limitação jurídica e fática dos direitos fundamentais, ao passo que, em caso de conflito de direitos, seria uma garantia a salvaguarda de outro direito fundamental. Segundo o autor, trata-se de uma construção humana em face da impossibilidade de satisfação simultânea de todas as necessidades, constituindo uma condição da realidade ao exigir “um mínimo de coerência entre a realidade e a ordenação normativa objeto da regulação jurídica.”[8]

Assim sendo, até que ponto tal argumento pode interferir na plena realização dos direitos sociais, sem constituir, no entanto, justificativa para inação por parte do executivo? É o que abordaremos em breve. Até lá!



[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2] Ingo W. Sarlet, em “A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucionais” faz uma interessante discussão acerca da utilização indistinta das expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, diferenciando-os, na medida em que aqueles relacionam-se aos documentos do direito internacional, que reconhecem direitos inerentes ao ser humano em caráter universal, ao passo que estes referem-se aos direitos humanos reconhecidos e positivados no direito constitucional de um determinado Estado.
[3] Sarlet na referida obra, adere à terminologia “dimensão” ao referir-se as gradações evolutivas dos direitos fundamentais, uma vez que o termo “geração” dá impressão de alternância destes direitos, o que não corresponde a moderna concepção de que tal evolução se dá em processo cumulativo e de complementaridade destes.
[4] Neste sentido, SILVEIRA, Adriana A. Dragone, em sua tese de doutorado, “O direito à educação de crianças e adolescentes: análise do Tribunal de Justiça de São Paulo (19991-2008)”, faz interessante crítica acerca da possibilidade de efetivação do direito a educação na via judicial a partir da análise de julgados do TJ/SP entre 1991 e 2008. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/opa/es_1_54.pdf, acessado em 12 de fevereiro de 2012.
[5] Basile Christopoulos em “Orçamento e Efetivação dos Direitos Sociais” traz à baila a tese da indivisibilidade dos direitos fundamentais defendida por Gustavo Amaral, na medida em tais direitos, em maior ou menor proporção, representam alguma despesa ao Estado, razão pela qual devem ser tratados de maneira igualitária sob a ótica do Direito Financeiro. Disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-19-SETEMBRO-2009-BASILE-GEORGES.pdf, acessada em 01 de fevereiro de 2012.
[6] SARLET, Ingo W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucionais”. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2009. P.286.
[7]
[8] SARLET, Ingo W. op. Cit. p.288

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