sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Brasil, a educação e os tratados internacionais

por Alexandre Marialva[1]

Diante da profunda evolução intelectual da humanidade nos últimos séculos, principalmente no que tange à consolidação de um pensamento jurídico mais humanizado, conseqüência inevitável foi a da elevação do direito à educação ao patamar de direito fundamental da pessoa humana. 

Afinal, o tema foi amplamente discutido ao longo da história, sendo objeto de diversos tratados, documentos e convenções firmadas internacionalmente.

Primeiramente, pode-se destacar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[2], fruto do contexto da Revolução Francesa, no séc. XVIII, e que afirmava em seu artigo XXII:
Artigo XXII - A instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos.
Posteriormente, já no séc. XX, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,[3] em seu artigo 26º, reafirma:
Artigo 26º - Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito,
A educação passa, então, a ser considerada o componente fundamental dos direitos humanos. Em 1993, é debatida a temática da Educação em Direitos Humanos na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena. Do documento resultante (Declaração de Viena), fica evidente a importância da educação como pressuposto fundamental para a compreensão dos demais direitos humanos.
80. A educação em matéria de Direitos Humanos deverá incluir a paz, a democracia, o desenvolvimento e a justiça social, conforme definidos nos instrumentos internacionais e regionais de Direitos Humanos, a fim de alcançar uma compreensão e uma consciencialização comuns, que permitam reforçar o compromisso universal em favor dos Direitos Humanos.
Nesse sentido, procura explicar Adelaide Alves Dias[4], que a construção gradativa de uma sociedade efetivamente igualitária, democrática e justa, passa pela oferta da educação a todos os seres humanos, concebendo-a como o elemento constitutivo da humanidade presente nestes.

A afirmação da educação como um direito fundamental, reiterada em cada tratado ou acordo internacional assinado, persiste no Brasil, sendo tratada internamente através de diversos artigos do texto constitucional atual e em algumas normas infraconstitucionais. 

Além dos já citados acordos internacionais, o direito à educação também é reconhecido juridicamente no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), ratificado pelo Brasil. Em seu art. 13, é afirmado:
Artigo 13:
§1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
§2. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito:
1. A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.
2. A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
3. A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
4. Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária.
5. Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente.
6. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais, de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
7. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no parágrafo 1º do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado.
Além disso, a Constituição Federal de 88, no art. 205, assevera que:
Art. 205 - a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
Contemporaneamente, a educação é vista como estrutura edificante para o exercício pleno dos direitos humanos. Afinal, pessoas só respeitam umas as outras quando são instruídas para tanto. A harmonia entre os povos, a tolerância e a paz só são praticadas quando fomentadas. Não há caminho mais próspero para o a efetivação dos direitos sociais, senão a conscientização das pessoas acerca deles. Nesse sentido, é inegável, portanto, a importância da educação.

No entanto, o Brasil sofre com a notória ineficiência na aplicabilidade de certos preceitos constitucionais. E infelizmente, o direito à educação está inserido nessa situação. Mesmo com toda a legislação nacional e internacional afirmando e protegendo o direito à educação, o Brasil ainda possui muitos problemas para serem superados. O número de crianças e adolescentes fora da escola é alarmante, e ainda persiste um número alto de analfabetos funcionais, falta de infra-estrutura básica para o aprendizado, além de índices consideráveis de reprovação, repetência e evasão escolar, entre tantos outros problemas.


Diante da precariedade do sistema educacional público brasileiro, é evidente a ineficiência estatal em cumprir com a responsabilidade de prover os meios necessários para uma educação plena e de qualidade, que construa valores e instrua as pessoas quanto aos ditames dos direitos humanos.
Fica a pergunta: por quê?
______________________

[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense

[2] Página com a redação completa no original em françês aqui

[3] Página oficial da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Versão completa em PDF aqui.

[4] SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. Educação em Direitos Humanos : Fundamentos teóricos-metodológicos. João Pessoa : Editora Universitária. 2007.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/

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