quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Educação nas constituições brasileiras: processo de valorização do saber


                                                                                 
                                                                                                                             Jéssica Vieira [1]
Outro aspecto importante no estudo da valorização da educação como direito humano fundamental é a analise das Constituições brasileiras no processo de amadurecimento e consolidação desse direito.                                            
Como bem lembra Vieira (2007): [2]
“[...] a educação nas constituições relaciona-se com o seu grau de importância ao longo da história. [..]As constituições expressam desejos de reforma da sociedade, apontando possibilidades sem assegurar garantias. Ao mesmo tempo, reforçam privilégios de grupos que fazem valer seus interesses junto ao Legislativo. O aprofundamento do tema permite apreciar o contraditório movimento da educação enquanto um valor que passa a incorporar-se aos anseios sociais sem, contudo, oferecer a cidadania plena. Do mesmo modo, permite melhor situar as reformas de educação propostas ao longo da história.”
Uma vez que nas primeiras Constituições são escassos os registros acerca da educação, iremos basear nosso estudo apenas nas Cartas Magnas do século XX, onde temos os primeiros dados da educação elevada a nível Constitucional começando da constituição de 1934 até a atual de 1988.

A Constituição Brasileira de 1934 resultou de um período de reivindicações de movimentos sociais que lutavam contra a Oligarquia e o sistema republicano vigente. Com Getúlio Vargas no poder, a efervescência política se materializou na Revolução Constitucionalista de 1932.

Dessa forma, a Carta de 1934 foi a primeira a dedicar espaço significativo à educação, com a presença de 17 artigos, todos ampliando a participação do governo na melhoria da educação em todas as modalidades de ensino. 
Outro aspecto importante da constituição de 1934 é o financiamento da educação. Pela primeira vez são definidas vinculações de receitas para a educação, cabendo à União e aos municípios aplicar "nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento do sistema educativo" (art. 156). [3] 

Mas apesar das inovações ainda nesse período tínhamos a presença da manutenção de temas conservadores como a preferencia pelo ensino religioso [...] “nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais” (art. 153). Tais influências também estão presentes no apoio irrestrito ao ensino privado através da isenção de tributos a quaisquer "estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos" (art. 154).  

No entanto, com Vargas já estabelecido no poder a Carta Magna de 1934 dá lugar a Constituição de 1937, passando-se por um período de extremo conservadorismo e autoritarismo no texto Constitucional, uma vez que se tem a influência marcante dos regimes fascistas europeus. (VIEIRA, 2007).

Neste período fica claro o abandono do governo em relação à educação. O dever do Estado para com a educação é colocado em segundo plano, sendo-lhe atribuída uma função subsidiária na oferta escolar destinada à "infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares" (art. 129). Nesse contexto, o "ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas" é compreendido como "o primeiro dever do Estado" em matéria de educação (art. 129).

Já na década de quarenta a ditadura de Getúlio Vargas não consegue se manter e em 1945 é derrubado o regime, e o país começa a passar por um novo processo de redemocratização. A Carta Magna de 1946 retoma o espírito da Constituição de 1934, apresentando algumas novidades. É estabelecida a competência da União para "legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional" (art. 5º, XV).

Foi também na vigência da Constituição de 1946 que se teve pela primeira vez, a efetivação de um planejamento educacional com o primeiro Plano Nacional de Educação em 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 1961.

 Mas após vivenciar mais um período de redemocratização na educação o país é assolado pela ditadura militar e por duas décadas temos a supressão dos direitos civis e políticos. Sob a vigência da ditadura temos a elaboração de uma nova Constituição em 1967.

A carta de 1967 não se distancia muito dos temas propostos nas constituições anteriores principalmente da Carta de 1946, uma vez que define a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 8°, XVII, "q"). Como os artigos que acrescem atribuições relativas aos planos nacionais de educação (art. 8°, XIV). (VIEIRA, 2007)

 Além da reedição de orientações e princípios de Cartas anteriores, tais como: o ensino primário em língua nacional (Constituição de 1946, art. 168, I, e Constituição de 1967, art. 176, § 3°, I), a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário (Constituição de 1946, art. 168, I e II, e Constituição de 1967, art. 176, § 3°, II). À noção de educação como "direito de todos", já presente no texto de 1946 (art. 166), a Constituição de 1967 acrescenta "o dever do Estado" (art. 176).

Mas apesar de não ter ocorrida uma ruptura grande em relação às Constituições anteriores, lembra Vieira (2007), no campo da educação só ocorrerão depois da Constituição de 1967, visto que após o fim da ditadura que são encaminhadas as principais propostas de reforma do período, sendo elaboradas apenas no plano teórico. 

Por fim, depois de um período de vinte anos sob o regime ditatorial, o Brasil começa a retomada pelo estado de direito.Com a participação ativa da sociedade civil a Carta Magna de 1988 se torna a mais extensa de todas em matéria de educação, sendo detalhada em dez artigos específicos (arts. 205 a 214) e figurando em quatro outros dispositivos (arts. 22, XXIV, 23, V, 30, VI, e arts. 60 e 61 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT). A Carta trata da educação em seus diferentes níveis e modalidades, abordando os mais diversos conteúdos. (Vieira, 2007)

Com a carta de 1988 se têm uma ampliação e valorização de todas as modalidades de ensino o dever do Estado em prover creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade (art. 208, IV), a oferta de ensino noturno regular (art. 208, VI), o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive aos que a ele não tiveram acesso em idade própria (art. 208, I), o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências (art. 208, III).

Vale lembrar que foi na vigência dessa constituição que se teve a aprovação do primeiro plano nacional de educação, que depois de intensos debates conseguiu ser aprovado em janeiro de 2001.

Fica claro que o breve estudo sobre as constituições brasileiras demonstram a importância desse documento na política- educacional do Brasil. Todos os processos políticos e sociais pelo qual o país passou refletiram decisivamente na Lei maior do país e explicam o porquê da educação só ter começado a se valorizar no início da década de noventa, demonstrando que quanto maior a participação da sociedade maior são os ganhos em todos os setores e principalmente na efetivação dos direitos relativos à educação.
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[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2] VIEIRA, Sofia Lerche. A educação nas constituições brasileiras: texto e contexto. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 88, n. 219, p. 291-309, maio/ago. 2007.
[3] BRASIL, Constituições Brasileiras: 1934. vol. III. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001c.