sábado, 22 de setembro de 2012

A Escola de Frankfurt e os conceitos de emancipação, esclarecimento e educação – Parte 1


por Alexandre Marialva [1]

A Escola de Frankfurt figura como uma das importantes correntes do pensamento filosófico, que se preocupou, também, ao longo do período pós-guerra, em desenvolver reflexões e estudos sobre a compreensão dos aspectos políticos, sociais e, até, econômicos, da formação do Estado e do desenvolvimento das sociedades capitalistas no século XX.

As origens históricas da Escola têm como pano de fundo um cenário marcado principalmente pela turbulência política na Europa do período entre as Grandes Guerras. Sob o contato com as grandes transformações ocasionadas pela 1ª Guerra Mundial, como a ascensão do nazismo e o surgimento do fascismo, a eclosão da Revolução Russa de 1917 e da ditadura bolchevique, emergência da mídia e cultura de massa, além da primeira tentativa de implantação de uma sociedade democrática na Alemanha: a República de Weimar, pensadores como Adorno, Horkheimer, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Erich Fromm e Friedrich Pollock, desenvolveram suas ideias.


As circunstâncias históricas em que viveram os fizeram reagir de forma intelectualmente prolífica, trabalhando em modelos teóricos multidisciplinares combinados com trabalhos de campo voltados a compreensão dos acontecimentos correntes. Além do Marxismo tradicional, os cientistas sociais também produziram a partir de várias escolas de pensamento, como a sociologia antipositivista, psicanálise, filosofia existencialista e outras, tendo contato, portanto, com o trabalho de pensadores como Marx, Weber, Freud, Hegel e Kant. Após a primeira Grande Guerra, o contexto político e econômico era conturbado na Europa. Em meio a isso, no verão de 1922, um recém-doutorado em ciência política pela Universidade de Tübingen, Félix Weil, organizou a Primeira Semana Marxista de Trabalho, com a participação de diversos intelectuais, posteriormente difundidos como fundadores do Marxismo Ocidental: Georg Lukács, Karl Korsh, Friedrich Pollock e Karl Wittfogel, dentre outros. Tal encontro teve tanto sucesso, que se passou a pensar na possibilidade de intensificar as discussões, mantendo-as constantes através da criação de um instituto de pesquisa. Félix, cujo pai fizera fortuna com a exportação de cereais a partir da Argentina, agiu como mecenas e financiou a empreitada. Os interessados trabalharam no projeto do instituto que seria sediado na Universidade de Frankfurt, e que teve como nome definitivo de “Instituto para Pesquisa Social”.

O instituto iniciou as atividades em 1924 e, em 1931, Max Horkheimer assume a diretoria. Nesse período, como se sabe, a Alemanha passava por uma situação política agitada e, em 1933, Adolf Hitler chega ao poder, desmanchando os possíveis focos de resistência democrática e socialista à tirania nazista. Assim, nesse momento inicia-se um período de exílio do Instituto, em que muitos de seus membros tiveram que deixar a Alemanha. Horkheimer aceita uma oferta da Columbia University e se estabelece em Nova Iorque, em 1934. Theodor Adorno chega ao mesmo local somente em 1938 e, até então, não figura entre os colaboradores mais próximos de Horkheimer.

A contribuição teórica da Escola é denominada “Teoria Crítica”, e a obra A Dialética do Esclarecimento – escrita conjuntamente por Theodor Adorno e Max Horkheimer – representa algumas das propostas da escola. O difícil contexto em que os filósofos se inseriram graças ao exílio forçado os fez tecer importantes críticas ao grande sistema capitalista mundia, ali incorporado pela sociedade americana. Em análise, pode-se aferir que o desenvolvimento do capitalismo trouxe consigo um esvaziamento da relação dos seres humanos entre si. A eliminação do outro, isto é, a extinção do outro de tal forma que este não é mais percebido com um ser dotado de humanidade, é encarada como uma característica marcante da sociedade moderna. O anti-semitismo, abordado por Adorno e Horkheimer em um capítulo específico da Dialética do Esclarecimento, torna-se um exemplo-chave do mergulho da sociedade em uma espécie de egoísmo cego, fruto da propagação da razão e capaz de degenerar o conceito de humanidade até então adotado pela sociedade.

A culpa é da ofuscação em que está mergulhada a sociedade. O mítico respeito científico dos povos pelo dado, que eles, no entanto estão continuamente a criar, acaba por se tornar ele próprio um fato positivo, a fortaleza diante da qual a imaginação revolucionária se envergonha de si mesma como utopismo e degenera numa confiança dócil na tendência objetiva da história. Enquanto órgão de semelhante adaptação, enquanto mera construção de meios, o esclarecimento é tão destrutivo como o acusam seus inimigos românticos. Ele só se reencontrará consigo mesmo quando renunciar ao último acordo com esses inimigos e tiver a ousadia de superar o falso absoluto que é o princípio da dominação cega. O espírito dessa teoria intransigente seria capaz de inverter a direção do espírito do progresso impiedoso, ainda que este estivesse em vias de atingir sua meta[2]

Ao longo dos últimos séculos, o desenvolvimento da humanidade veio a ser fundamentado na crença de que a ciência seria a solução para todos os problemas. As possibilidades científicas emergentes dessa condição do pensamento humano ajudaram a moldar toda a sociedade, tanto para o bem quanto para o mal. Ainda que o esclarecimento tenha proporcionado melhores condições de vida, também foi responsável pela elaboração de armas químicas e bombas com um poder de destruição cada vez maior, além de mostrar pouco eficaz na contenção do início do totalitarismo, nazismo, e outras formas de violência.

Adorno e Horkheimer advertem que o avanço da ciência ao longo de séculos de desenvolvimento intelectual humano tornou-se quase que inexpressivo diante das atrocidades ocorridas na primeira metade do século XX.

A Dialética do Esclarecimento expõe de maneira escancarada uma crítica à evolução social humana, tratando o progresso científico como uma regressão, baseando-se na premissa de que a modernidade provocara no ser humano o retorno à barbárie: é inadmissível a humanidade estar em um avançado estado de racionalidade e de domínio sobre natureza e, ainda assim, aceitar os horrores advindos do Nazismo. Para os autores, a barbárie poder ser comprovada em seu ápice por meio da existência do campo de prisioneiros de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial.

O processo de evolução social e intelectual da humanidade engendrou uma série de conquistas que se pensavam garantidas ao homem. Com o avanço da ciência e do pensamento crítico, os passos largos da democracia, entre outros pressupostos, vislumbrou-se a possibilidade de um ambiente social mais favorável à preservação da dignidade humana. A Dialética do Esclarecimento, então, põe em xeque a noção de progresso. 

A ideia central é a de que o triunfo da razão somente semeou na humanidade a esperança de um futuro próspero. Efetivamente, tal expectativa não se concretizou, segundo Adorno e Horkheimer. A violência presente na história recente da humanidade traz à tona o questionamento acerca do modelo de desenvolvimento praticado pelo homem. O bem estar da sociedade deixa de ser garantido quando se torna evidente a existência de um meio de autodestruição criado e mantido pelo próprio homem.

Em suma, uma das principais críticas propostas pela obra vem se relacionar com a constatação de que o conhecimento humano não vem sendo usado em prol dos próprios seres humanos. Ao invés disso, a evolução social humana, quando deveria ter por característica primordial o progresso, deve ser compreendida como o seu contrário, isto é, a regressão. Segundo alegam os autores, o nazifascismo não foi um mero acidente histórico, mas sim amostra de uma atitude autoritária de domínio irracional do homem sobre si mesmo. Em outras palavras, o processo de racionalização que sustenta a filosofia e a ciência, em lugar de libertar os homens, proporcionou-lhes o controle, a dominação pela técnica, instrumentalizando o ser humano e provocando-lhes o retorno à barbárie.

Nesta conjuntura, Theodor Adorno – que era judeu e, portanto, fora diretamente afetado pelas forças nazistas – foi um importante defensor da educação como instrumento de transformação da sociedade. O filósofo atribui à educação um importante papel na formação de sujeitos emancipados, isto é, sujeitos capazes de ponderar diferentes aspectos do real, atingindo um novo patamar de análise e de consciência, além de defender um modelo educacional que combata, primordialmente, aspectos que favoreçam um ressurgimento da violência extrema vista nos campos de concentração nazistas.


(Continua)

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[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.

[2] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max - A Dialética do Esclarecimento A dialética do esclarecimento, p. 23. Disponível aqui.