quarta-feira, 2 de maio de 2012

Direitos sociais: outras discussões sobre orçamento



Por Ana Charlene Negreiros[1]


A leitura do artigo 5º, §1º da Constituição Federal dispõe expressamente que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Magna são dotadas de imediata aplicação. Por outro lado, já tivemos oportunidade de abordar alguns aspectos dos direitos fundamentais sociais, delineando seus contornos a partir de seu caráter marcadamente prestacional, sua dimensão econômica que representa considerável onerosidade ao erário, razão pela qual sua implementação está condicionada a fatores de políticas socioeconômicas do Estado, além da necessidade de concretização legislativa.



Diante desta aparente contradição, é conveniente compreender alguns conceitos essenciais para a discussão da efetividade dos direitos fundamentais sociais, dentre os quais se insere a educação.

Em função do objeto dos direitos fundamentais sociais, ou seja, a conduta positiva do Estado na forma de prestação fática ou normativa, as normas que os definem possuem características diferenciadas daquelas que definem os direitos de defesa[2]. Ora, partindo-se do pressuposto de que para a implementação dos direitos de defesa exige-se uma conduta omissiva do ente estatal, abstendo-se de ingerências na autonomia dos cidadãos, não dependem tais direitos de prestações positivas tais como nos direitos fundamentais sociais. Em que pese haver exceções que careçam de complementação hermenêutica, sua aplicabilidade independe, na maioria das vezes, de concretização normativa que possa intermediar sua eficácia aplicando-se sem grandes divergências doutrinárias o preceito legal supra.

Por outro lado, não obstante integrarem o rol dos direitos fundamentais a que se refere o artigo 5º, §1º, os direitos sociais despertam fortes discussões quanto a sua eficácia. Indaga-se, por exemplo, como as regras definidoras de tais direitos podem ser diretamente aplicadas, gerando eficácia imediata sendo que dependem de concretização legislativa? Em síntese, Sarlet observa que “o quanto de eficácia cada direito fundamental a prestações poderá desencadear dependerá, por outro lado, sempre de sua forma de positivação no texto constitucional e das peculiaridades de seu objeto.”[3]

Todavia, retornando ao caráter econômico dos direitos sociais prestacionais, esbarramos na espinhosa questão da efetiva disponibilidade do objeto de tais direitos por parte de seu destinatário: terá sempre o Estado condições de prestar o que lhe fora imposto pela norma? Terá disponibilidade orçamentária ou poder de disposição de tais recursos, ou seja, capacidade jurídica, para garantir acesso à educação e saúde a todos, por exemplo, conforme a previsão constitucional?

Entende-se que, no caso do direito à educação, a prestação dos direitos sociais está condicionada a reserva do possível relacionada com as competências previstas constitucionalmente, de acordo com a lei orçamentária e o princípio federativo.[4]

Conforme recorda Scaff[5], ainda que o legislador esteja limitado à disponibilidade orçamentária, este não possui ampla liberdade de conformação, uma vez que está vinculado ao Princípio da Supremacia da Constituição, no sentido de implementar os objetivos estabelecidos na Carta Magna. Tais objetivos contidos no artigo 3º da Carta[6] norteiam toda atuação do Estado, devendo ser perseguidos pelos governantes de todos os entes da federação.

Para o alcance dos objetivos constitucionais, necessário se faz um eficiente sistema de planejamento, definido na própria Constituição, que trata da origem das receitas, bem como a destinação das despesas e investimentos que compõem o orçamento federal, estadual e municipal: o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual.

O orçamento é, sem dúvidas, um poderoso instrumento de efetivação dos direitos sociais, na medida em que visa à consecução dos objetivos constitucionais. Infelizmente, no Brasil, tem-se um conceito de orçamento público distante da realidade da população, a qual tem ínfima participação na elaboração das leis orçamentárias, bem como em sua execução. No que tange a arrecadação, preocupa-se o fisco em com recordes anuais auferindo receitas tributárias,[7] sem, contudo haver a preocupação necessária com o adequado investimento nos setores mais carentes. Prova disso são os patamares nada agradáveis em que o país encontra-se em relação a outras nações, como o vergonhoso 88º lugar no ranking da educação da UNESCO que avaliou a desempenho das nações em relação ao cumprimento das metas de qualidade para 2015 estabelecidas em 2000 na Conferência Mundial de Educação de Dacar.[8]

Assim, podemos perceber o quão complexa é a questão da implementação dos direitos sociais nos moldes da Constituição brasileira, em especial o direito à educação. Porém, podemos deixar como conclusão provisória, as palavras de Flávio Galdino, no sentido de que o que influencia a efetivação de um direito fundamental não reside na ausência de recursos, mas de uma opção política, ou seja, da ausência de compromisso de determinado governo com a efetivação de tais direitos:
“O que verdadeiramente frustra a efetivação de tal ou qual direito reconhecido como fundamental não é a exaustão de um determinado orçamento, é a opção política de não se gastar dinheiro com aquele mesmo ‘direito’. (...) O argumento da ‘exaustão orçamentária’ presta-se unicamente a encobrir as trágicas escolhas que deixaram de fora do universo do possível a tutela de um determinado ‘direito’.” [9]



[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2] Os direitos de defesa integram-se pelos direitos de liberdade, igualdade, garantias institucionais, os quais exigem do Estado uma postura negativa.
[3]  SARLET, Ingo W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucionais”. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2009. P.281
[4] CHRISTOPOULOS, Basile. Orçamento e Efetivação dos Direitos Sociais. Disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-19-SETEMBRO-2009-BASILE-GEORGES.pdf, acessada em 01 de fevereiro de 2012.
[5] SCAFF, Fernando Faccury. Reserva do Possível, mínimo existencial e direitos humanos. In Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. São Paulo, Renovar: 2006. P. 123

[6] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[7] De acordo com a Receita Federal, em 2011 o Brasil obteve arrecadação com recorde histórico de R$ 969,907 bilhões, 10,1% a mais que em 2010. disponível em http://www.correiodoestado.com.br/noticias/brasileiro-paga-impostos-como-nunca-e-arrecadacao-bate-recor_139772/, acessado em 02/05/2012, as 17:08
[8] Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/saber/882676-brasil-fica-no-88-lugar-em-ranking-de-educacao-da-unesco.shtml, acessado em 02/05/2012, as 17:19
[9]  GALDINO,  Flávio.  °custo  dos  direitos.  In:  TORRES,  Ricardo  Lobo. Legitimação dos  direitos  humanos.  Rio  de Janeiro:  Renovar,  2002.  p.  214  apud SILVEIRA, Adriana A. Dragone “O direito à educação de crianças e adolescentes: análise do Tribunal de Justiça de São Paulo (1991-2008)”, p. 202, Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/opa/es_1_54.pdf, acessado em 12 de fevereiro de 2012.

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