Alexandre Marialva[1]
A educação sempre foi objeto de grandes discussões ao longo dos anos. Foi sendo estudada, principalmente através de sua vinculação com a questão da emancipação humana, relacionando-se com pensadores do porte de Immanuel Kant, T. W. Adorno, entre outros.
Francis Bacon pode ser considerado como o precursor da visão de que todo conhecimento deve vir da experiência sensorial, buscando elevar o conhecimento filosófico a um patamar não apenas reflexivo, mas capaz também de demonstrar empiricamente seus postulados e axiomas. Defende, ainda, que o conhecimento científico ergue-se sobre si mesmo, avançando firme e cumulativamente, descobrindo leis e tornando invenções possíveis, tornando-se um meio mais rigoroso para conquistar o poder sobre a natureza e dominá-la.
René Descartes, entre os séculos XVI e XVII, utilizava o conhecimento matemático como o modelo racional a ser seguido, e foi um dos primeiros pensadores a associar o saber filosófico como forma de construir um conhecimento seguro e lógico a respeito da natureza e do próprio homem.
Por volta do século XV, as ideias da Renascença tinham se espalhado pela Europa, obscurecendo o monopólio do ensino da Igreja. Além disso, a expansão marítima e as grandes navegações, as reformas protestantes, o desenvolvimento dos Estados nacionais, o comércio ultramarino e as consequentes descobertas de novos mundos exerceram importantes transformações no movimento intelectual ocorrido na Europa a partir do século XV, principalmente na relação da sociedade da época com a natureza.
Uma nova ótica se instaura por entre os pensadores, principalmente em se tratando da análise dos fenômenos naturais e da relação humana com o sagrado. A razão passa a ser a referência na emissão de qualquer opinião, pensamento ou avaliação sobre o mundo. A racionalização – conceito denominado por Max Weber – surge nesse contexto de transformações econômicas, sociais, políticas, históricas e culturais da época.
Kant desenvolve um conceito resultante da filosofia desenvolvida por Descartes e, em seu famoso texto "Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento?", trata o esclarecimento como “a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”. O filósofo afirma em seu texto que todo indivíduo vive uma situação de menoridade em algum momento ou fase de sua vida. No entanto, o que não pode acontecer é o indivíduo permanecer na menoridade a vida toda, renunciando esse processo a si e aos outros.
Segundo sua concepção, ser esclarecido é, antes de tudo, um compromisso moral com o aperfeiçoamento e bem-estar da sociedade, respeitando as hierarquias sociais existentes. Contudo, por medo, comodismo, oportunismo ou preguiça, poucos se tornam efetivamente esclarecidos, embora tenham condições intelectuais para tanto quando estão em uso privado da razão. A menoridade remete à incapacidade do indivíduo de não conseguir romper as correntes impostas pelo consumismo, por religiões ou por ideologias: o incapaz não consegue pensar além do seu credo, do seu grupo social, da sua família.
O conceito que Kant desenvolve é resultante da filosofia desenvolvida por René Descartes (1596-1650) entre os séculos XVI e XVII que defendia a unificação da filosofia através do interligamento das ciências, metaforizado pela “árvore do saber”. Descartes utiliza como modelo racional a ser seguido o conhecimento matemático, que possuiria verdade absoluta e incontestável, evidentes ao intelecto. Ele foi, certamente, um dos primeiros pensadores a associar o saber filosófico como forma de construir um conhecimento seguro e lógico a respeito da natureza e do próprio homem.
O texto de Kant, apesar de escrito originalmente em 1784, possui um caráter eminentemente atemporal, influenciando fortemente filósofos de diversas épocas, e sendo, inclusive, bastante difundido em meio ao movimento revolucionário francês no século XVIII, o Iluminismo.
Kant foi também uma das principais influências dos pensadores da Escola de Frankfurt. Tal movimento construiu uma espécie de continuação da noção de esclarecimento dada pelo filósofo.
A escola de Frankfurt figura como uma das importantes correntes do pensamento social que se preocupou, também, ao longo do período pós-guerra, em desenvolver reflexões e estudos sobre a compreensão dos aspectos políticos, sociais e, até, econômicos, da formação do Estado e do desenvolvimento das sociedades capitalistas no século XX. Os autores da Escola denominaram sua contribuição teórica como “Teoria Crítica”, e a obra A Dialética do Esclarecimento, escrita conjuntamente por T. W. Adorno e Max Horkheimer, é considerada a mais representativa das propostas da escola.
Na obra, os autores propõem, a princípio, que o esclarecimento dissolveria os mitos e desbancaria a crendice através do conhecimento.
Tal conhecimento, oriundo do medo ancestral do homem diante da natureza, se corporificou no conceito moderno de “técnica”, que não tem como objetivo a felicidade do gênero humano, mas apenas uma precisão metodológica que potencialize o domínio sobre a natureza [2]
Em suma, uma das principais críticas propostas pela obra vem se relacionar com a constatação de que o conhecimento humano não vem sendo usado em prol dos próprios seres humanos. Ao invés disso, a evolução social humana, quando deveria ter por característica primordial o progresso, deve ser compreendida como o seu contrário, isto é, a regressão. Segundo alegam os autores, o nazifascismo não foi um mero acidente histórico, mas sim mostras de uma atitude autoritária de domínio irracional do homem sobre si mesmo. Em outras palavras, o processo de racionalização que sustenta a filosofia e a ciência, em lugar de libertar os homens, proporcionou-lhes o controle, a dominação pela técnica.
O domínio do homem se dá também através da planejada manutenção do povo em um estado de ignorância. Os autores denunciam na obra que, sob um véu liberal-democrático, a cultura massificada promulga impiedosamente as diretrizes de um sistema de dominação econômica que carece da aceitação dos dominados para a legitimação da sua existência.
É nesse contexto que a emancipação humana, através do esclarecimento, é meio de libertação do ser humano. E a educação, portanto, encontra-se diretamente vinculada ao tema.
O processo de alienação na sociedade capitalista deve ser extirpado, tendo a educação o papel de promover o domínio pleno do conhecimento e a capacidade de reflexão. Na concepção de Adorno e Horkheimer, o ensino deve ser uma arma de resistência à indústria cultural na medida em que contribui para a formação de uma consciência crítica e permite que o indivíduo descubra as contradições do meio em que vive.
Seguindo por esse viés, e a julgar pelo nível atual de evolução intelectual da humanidade, é válido afirmar que o projeto de desenvolvimento dos Estados deve ser pautado, primordialmente, na criação de condições básicas que propiciem um pleno desenvolvimento humano baseado na garantia (e efetivação) de direitos sociais, sendo aqui a educação o carro-chefe. AMARTYA SEN defende em sua obra Desenvolvimento como Liberdade que o desenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer sua cidadania. A resolução de problemas antigos, e ainda assim persistentes, como a pobreza, fome coletiva, violação de liberdades políticas, ameaças ao meio ambiente, entre outros, passa pela análise da condição de agente de cada um, que se encontra restrita e limitada pelas oportunidades sociais, políticas e econômicas dispostas na sociedade.
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[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2] DUARTE, Rodrigo.
Adorno / Horkheimer & A Dialética do Esclarecimento - Filosofia : Col.
Passo a Passo 4. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
Referências:
- ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento.
- DUARTE, Rodrigo. Adorno / Horkheimer & A Dialética do Esclarecimento - Filosofia : Col. Passo a Passo 4. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
- KANT, Immanuel - O Que é o Esclarecimento - disponível aqui.
- MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. (Intervenção na abertura no Fórum Mundial de Educação, Porto Alegre, Brasil, 28/Jul/2004. Disponível em http://resistir.info/meszaros/meszaros_educacao.html)
- RABACA, Silvio Roberto. Variantes Críticas: a Dialética do Esclarecimento e o Legado da Escola de Frankfurt. São Paulo: Annablume, 2004.
- SEN, Amartya. Desenvolvimento Como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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