Por Ana Charlene
Negreiros[1]
Para melhor compreender
os caminhos tortuosos que nos trouxeram ao atual estágio de desenvolvimento da
Amazônia, é conveniente vislumbrar tempos pretéritos, a história de pilhagens e
planos de inserção da região no contexto nacional/mundial, de modo periférico,
marcados ora pelo vilipêndio das populações tradicionais, ora pelo abandono das
classes pobres, bem como pelo dispêndio dos recursos naturais.
Podemos observar, pela
análise de Bertha Becker[2]
acerca das mutações estruturais da Amazônia, três períodos de formação, acerca
dos quais teceremos breves considerações: Período de Formação Territorial
(1616-1930), Período de Planejamento Regional (1930-1985) e A incógnita de
Heartland[3].
Desde o primeiro
contato com a região, marcado pelo deslumbre do colonizador europeu, o choque
cultural e violência, a Amazônia restou estereotipada por visões distorcidas,
repletas de mitos - da superabundância e resistência da natureza - e a marcante
violência na qual se fundou a exploração econômica. Aluízio Lins Leal
classifica o período inaugurado com a fundação de Belém, em 1616, como o
período exploratório, destacando assim o início de sucessivos modelos de
colonização voltados para o interesse estrangeiro que se mantinha às custas do
saque e descaracterização cultural dos povos tradicionais.
De fato, a base
econômica da região durante este período fora voltada basicamente ao extrativismo.
Lins Leal justifica tal “opção” do colonizador devido as primeiras expedições
não terem encontrado em solo amazônico os tão almejados metais e pedras
preciosos. Assim, o extrativismo predatório, escorado na mão de obra indígena
desumanamente escravizada, fora por séculos a sina da Amazônia, como se fosse
esta uma inesgotável riquezas naturais.
Diversos sistemas de aprisionamento de índios
foram implantados, submetendo os filhos da terra a condições sub-humanas,
verdadeiros escravos. Agia, contudo, o colonizador luso balizado na legislação
metropolitana, auxiliado pelos missionários catequéticos[4]
dentro de um sistema cruel que não garantia qualquer direito humano aos
indígenas. Sequer eram tratados como animais, pois, talvez assim tivessem mais
dignidade: eram considerados rentáveis mercadorias, sem autonomia para resistir
ao modelo econômico genocida que lhes fora imposto.[5]
Lembra Bertha Becker[6] que
a ocupação da região se deu em verdadeiros surtos, vinculados à valorização de produtos
no mercado internacional, que, por serem momentâneas, causaram picos de
ocupação seguidos de longos períodos de estagnação. Assim ocorreu no chamado
ciclo da borracha. A necessidade pela matéria prima encontrada em abundância na
Amazônia inseriu a região, no último quartel do século XIX, no contexto
econômico mundial fomentando a indústria automobilística. A região experimentou
um crescimento populacional sem precedentes, de 595.112 habitantes em 1900 para
1.217.024 na década seguinte. A exportação da borracha representou a mais
rentável fonte de capital do período, chegando ao recorde de 37.178 toneladas
em 1912.[7]
Ao fim do chamado
“boom” da borracha, a riqueza volátil, auferida as expensas da exploração do
trabalho semi-escravo do seringueiro, concentrada no luxo perdulário das elites
das capitais dos estados e enviada a capital do império, esvaiu-se deixando tão
somente um rastro de crise que perdurou décadas. As exportações decresceram
vertiginosamente, chegando a inócuas 11.861 toneladas em 1939, além de deflação
populacional em menos de dez anos em mais de duzentos mil habitantes.[8]
Note-se que desde o
início da ocupação da Amazônia, os investimentos na região visaram
potencializar sua exploração econômica em detrimento de um efetivo
desenvolvimento local. Não havia qualquer interesse por parte dos governos
locais ou nacionais em beneficiar os habitantes da região ou prover-lhe o
mínimo de infraestrutura, tão pouco se implantou formas de desenvolvimento
sustentável específicas as suas peculiaridades. A partir da década de 1950 e,
com mais intensidade a contar do último quartel do século XX, a região voltou a
ser inserida no contexto nacional com projetos voltados a ocupação da terra sem
homens, sendo o cenário de desastrosos projetos de desenvolvimento no auge da
ditadura militar. É o que em breve abordaremos.
[1]
Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do
Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2]
BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na
virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. p.23.
[3]
“Heartland” é um conceito formulado por Sir Halford Mackinder em 1904 para a
massa continental eurasiana, para justificar suas condições de exercício do
poder mundial, baseadas em sua extensão territorial e autodefesa baseadas na
feições geográficas de seus entornos.
[4]
Berth Becker, por sua vez, ressalta que as missões auxiliaram no processo de
crescimento endógeno da região, a partir de uma visão interna do território, fruto
do contato com os habitantes locais. (BECKER, 2009. P. 24/25)
[5]
Aluízio Leal destaca que no sistema de “descimento”, no qual tribos indígenas
inteiras desciam de suas aldeias para as chamadas “aldeias de repartição”, onde
eram estocadas para serem distribuídas ou alugadas em troca de um salário, o
valor mensal vigente por cem anos, se comparado com o valor de produtos da
época, não era suficiente para comprar sequer um anzol (!). LEAL, Aluízio Lins.
Uma sinopse histórica da Amazônia (uma
visão política). Disponível em http://pt.scribd.com/doc/49097040/UMA-SINOPSE-HISTORICA-DA-AMAZONIA-1,
acessado em 11/06/2012.
[6] LEAL,
Aluízio Lins. Op. Cit. P. 24
[7]
Marques, Gilberto de Souza. Estado e desenvolvimento na Amazônia: inclusão
amazônica na reprodução capitalista brasileira. Tese de doutorado.UFRJ, 2007.
Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=110740,
acessado em 11/06/2012.
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