segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Para começar: a educação como condição humana.

Por Flávia Marçal[1]

Em nossas pesquisas, temos como norte a concepção da educação como um direito humano. Mas para que a educação possa ser compreendida como um direito humano é necessário ir além e verificar como a educação está intrinsecamente ligada à própria condição do homem.

Se por um lado a existência da humanidade não está condicionada à educação, seu desenvolvimento, organização e seus progressos são tanto melhores quanto melhor for a educação de uma sociedade. A frase pode ter conotação de um exagero lingüístico, porém esta é a conclusão que podemos obter ao analisarmos a história das civilizações através dos escritos dos grandes pensadores[2], sejam religiosos ou laicos, em qualquer cultura, ao longo dos mais de cinco mil anos de civilização.

A educação, passada de uma geração à outra, sempre foi, não apenas instrumento indispensável pra a construção da civilização, mas ferramenta essencial à sobrevivência e evolução humana.

Diversos autores, entre eles Noam Chomsky[3], descreveram estruturas de pensamento e de linguagem relacionadas à mente humana, as quais exigem um desenvolvimento tão vital quanto o crescimento ou a associação em grupos. O aprendizado, neste contexto, é visto como uma função inerente à condição de ser vivo, onde o ser humano, através de um processo de formação de estruturas mentais novas e da eterna superação de modelos, interage com o meio ambiente num permanente aprendizado .

Neste sentido, podemos afirmar que a educação é uma atividade fundamental da vida e que a vida constitui-se numa fonte inesgotável de novos saberes. A vida, em sentido individual ou social, nada mais é do que uma cadeia de processos investigativos e de aprendizado[4].

Estes aspectos biológicos do processo de aprendizagem evidenciam o quanto a educação faz parte de um processo de existência humana. Por óbvio que a condição humana não se resume ao processo de aprendizagem empírica, desenvolvendo-se na verdade, num plano sócio-cultural. A educação humana não ocorre, somente por uma reação biológica ao meio como instinto de sobrevivência, mas também entre o individuo e aqueles que o rodeiam.

Assim, a educação em seu sentido amplo deve ser vislumbrada como a própria expressão da condição humana e quesito indispensável para o alcance da plenitude de fatores emocionais, sociais e existenciais. Por isso, a educação como meio empírico, e posteriormente, através de mecanismos de ensino[5], foi o grande diferencial na história evolutiva da humanidade.

O desenvolvimento da sociedade humana foi convertendo a educação em bem de elite, e posteriormente, numa reinvindicação da classe média urbana e finalmente como uma necessidade de todos. Da necessidade converteu-se num direito. É um direito humano e um bem fundamental. Direito inalienável e irrenunciável, independente de reconhecimento normativo. Segundo José Cláudio Monteiro de Brito Filho[6]:

“Direitos Humanos podem ser entendidos, assim, como o conjunto de direitos necessários à garantia da dignidade da pessoa humana. Deixa-se assim de ter uma expressão vaga, alcançando-se uma noção que é concreta e que passa a funcionar como vetor para agrupar os direitos como humanos. Assim, sempre que um determinado direito for entendido como essencial para o respeito à dignidade da pessoa humana ele deve ser considerado como integrante dos direitos humanos”. E acrescenta: “Mais que isso, a dignidade funciona ao mesmo tempo como um imã e como um freio. Como o primeiro para atrair todos os direitos indispensáveis à vida digna do ser humano, e como o segundo para impedir a tentação, às vezes desenfreada de alguns de querer incluir todos os direitos como humanos”.

Assim, compreendido como direito humano, não tardou para que o direito à educação passasse a figurar nas mais diversas declarações internacionais. Mas isso fica para outro post! Até mais pessoal!

______________________

[1] Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, professora da UFOPa e subcoordenadora geral do projeto.

[2] Quando tratamos da história da educação na Antiguidade, podemos destacar três grandes momentos fundadores da cultura moderna, quais sejam a educação oriental (marcada por nomes como Confúcio, que desenvolveu estudos no campo da filosofia, Abu Rayhan al-Biruni, no ensino da matemática e da estronomia,  Ibn al Hayzam, grande pensador da física, em especial da ótica), a educação grega, com os trabalhos de Platão (especialmente nas obras “Alcibíades’ (segundo) e ‘Mêon’ e “Teteeto” que tratam sobre conhecimento) e seu discípulo  Aristóteles (“A política”, “Ética à Nicômaco” e outras obras ) e por fim, a educação romana (marcada pela “Lei das doze Tabuas”, e também pelas obras de Cícero, “De re publica” e “De oratore” e Sêneca, “Quaestiones naturales”  e “Epistulae Morales ad Lucilium”). Sobre o tema ver: MONTEIRO, A. Reis. História da Educação: do antigo “direito de educação” ao novo “direito à educação”.  São Paulo: Cortez, 2006. Sobre autores do oriente ver: MELLO, Lucrecia Sringhetta. A educação na Antiguidade. P. 23-27. In: MARQUES DE SOUZA, Neusa Maria. História da Educação. São Paulo: Avercamp, 2006. Sobre a educação grega e a educação em Roma ver: MATOS, Julia. A educação em Roma, p. 89 e ss. E, FERER, Carla Santos. Educação Grega. p. 73 e ss . In: FLORES, Moacyr (org). Mundo Greco-Romano: O sagrado e o profano. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 2006.  A consulta dos textos romanos (em latim) pode ser feita pelo site: http://www.thelatinlibrary.com/. Acesso em: 27 de janeiro de 2009.

[3] Ver entrevista com o autor intitulada “PARA ALÉM DE UMA EDUCAÇÃO DOMESTICADORA: Um Diálogo com Noam Chomsky”. Disponível em http://www.curriculosemfronteiras.org. Acesso em 10.12.2008.

[4] Primórdios desta concepção podem ser encontrados no período Renascentista (séc. XIV-XVIII), que marca o início do “Século das Luzes”, em oposição à “Idade das Trevas” (Idade Média). Este período caracteriza-se pelo retorno as idéias do período clássico, sendo marco da transição do feudalismo para o capitalismo. Estas mudanças incidirão também na educação, com o surgimento da escola humanística na filosofia (cujos expoentes destacam-se Petrarca, Thomas More, Erasmo de Roterdã, entre outros), as inovações das pesquisas no campo da astronomia (teoria heliocêntrica desenvolvidas desde Copérnico, passando por Giordano Bruno e aperfeiçoadas por Galileu Galilei), e o aperfeiçoamento da imprensa com Johannes Guttemberg, além das artes (Rafael, Michelangelo, Leonardo da Vinci e Giotto) são exemplos desta revolução. Sobre o tema ver: NUNES, Ruy Afonso Costa. História da educação no Renascimento. São Paulo: EPU / EDUSP, 1980.

[5] O sistema de ensino como conhecemos hoje é fruto, em grande parte, das práticas educacionais oriundas da Idade Medieval, com a presença de um professor, o conhecimento baseado mais em autores do que na experiência, as práticas avaliativas, entre outros. É neste período, denominado também a “Idade das trevas” que teremos o nascimento das universidades, em especial, a de Bolonha (Itália), fundada em 1088. Sobre o tema ver: NUNES, Ruy Afonso Costa.

[6] In: BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Direitos Fundamentais & Relações Sociais no Mundo Contemporâneo. Paraná: Juruá, 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário