Por Ana Charlene
Negreiros[1]
Retomando o cronograma
histórico esboçado por Becker[2],
avançamos para a segunda fase da ocupação da Amazônia, que se enquadra no que a
pesquisadora chama de “Fase do Planejamento Regional”, tendo como recorte
temporal o interstício de 1930 e 1985. Tal período é assim denominado devido a
marcante ação governamental corporificada em diversos planos e estratégias para
ocupar e inserir a região no contexto nacional e internacional, por questões de
segurança e garantia de sua participação como fornecedora de matéria-prima
amazônica para o mercado estrangeiro ou atenuar a desigualdade inter-regional
da Amazônia na economia brasileira.
Becker subdivide a fase
do Planejamento Regional em dois períodos. O primeiro, marcado pela implantação
do Estado Novo pelo presidente Getúlio Vargas, predominantemente entre 1930 e
1966, mostrou-se eivada de discursos que, muitas vezes, não criavam vida fora
do papel. Exemplos disso são a criação da Fundação Brasil Central, a inserção
da Amazônia dentro de um programa de investimento da renda tributária nacional
para valorização da região na Constituição Federal de 1946 e a delimitação
oficial de seu espaço geográfico por meio de critérios científicos, além da
criação da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia), em 1953, incumbida de planejar as políticas desenvolvimentistas,
envolvendo diversas unidades federativas, níveis de governo e setores da
economia.[3]
Ocorreu neste período, a chamada Marcha para o
Oeste, organizada pelo governo Vargas à guisa de ocupar o “vazio demográfico”
das regiões Centro-Oeste e Norte. O “branco do Brasil central” fora constatado
pelo presidente Vargas após o sobrevoo desta área incógnita, potencial alvo dos
países beligerantes adeptos da teoria do espaço vital, pela qual teriam estes o
‘direito’ de ocupar áreas pouco exploradas em países subdesenvolvidos, como o
Brasil. Ademais, o imenso espaço despovoado era considerado inimigo do
desenvolvimento, pois impedia a inserção da região amazônica no corpo econômico
nacional.[4]
A marcha durou cerca de
quarenta anos e obteve significativos avanços naquilo em que se propôs, através
da fundação de cerca de 40 vilas e cidades, construção de 19 campos de pouso no
percurso de mais 1,5 mil KM de picadas abertas no cerrado e floresta amazônica.
Por outro lado, o contato dos expedicionários com as civilizações indígenas
ainda isoladas em pleno século XX, representou forte abalo nestas, quer seja na
cultura, quer no decréscimo populacional motivado pela morte em virtude de
doenças para os quais não eram imunes, bem como nos homicídios de aldeias pelos
invasores legais destas, munidos de armas e títulos federais de posse de terra.[5]
Mas é somente a partir
dos anos de 1966 e 1985 que Becker aponta a ocorrência de um efetivo
desenvolvimento regional, firmado sobre o escopo da modernização social e
territorial promovendo o início de um novo ciclo de devassa deste território.
Tais planos surgiram como solução para as tensões interregionais, ocasionadas, sobretudo,
pela migração de pequenos produtores do nordeste e sudeste do país, devido à
modernização da agricultura.
Bacury de Lira observa que
o processo de transformação da Amazônia em região economicamente produtiva se
deu em decorrência do descontrole das contas externas causado pela crise do
petróleo entre 1973/74. Tal situação forçou as regiões periféricas a assumirem
uma postura positiva dentro do cenário econômico nacional, de forma
subordinada, por óbvio. Ampliaram-se as trocas interregionais de modo a suprir
a região mais desenvolvida com as matérias-primas e produtos regionais
industrializados. Sua contribuição também foi importante na geração de divisas,
no processo de substituição da importação de insumos básicos e liberação da
produção exportável.[6]
Lembra Bacury que as estratégias
para o desenvolvimento regional pautavam-se em um modelo de desenvolvimento
desequilibrado com perspectiva de futura correção (que não chegou a se
efetivar), priorizando atividades e setores produtivos subordinados à demanda
internacional e polarizando os investimentos em setores o que agravou os
contrastes socioeconômicos dentro das unidades federativas contempladas. Mais uma
vez a demanda internacional foi preconizada em detrimento dos interesses locais
para como alternativa de salvaguarda da economia pátria.
(Continua)
[1] Estudante
de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto
Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense.
[2] BECKER,
Bertha. Amazônia: geopolítica na virada
do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. P. 23/24
[3]
Marques, Gilberto de Souza. Estado e
desenvolvimento na Amazônia: inclusão amazônica na reprodução capitalista
brasileira. Tese de doutorado.UFRJ, 2007.p. 86. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=110740,
acessado em 11/06/2012.
[4] MARQUES,
Gilberto de Souza. Op. Cit. p. 92.
[5]
Não obstante, é importante salientar a contribuição dos irmãos Villas-Bôas para
amenizar os efeitos deletérios da marcha sobre as populações indígenas,
conforme relato do antropólogo Darcy Ribeiro: “Os Villas-Bôas dedicaram todas
as suas vidas a conduzir os índios xinguaranos do isolamento original em que os
encontraram até o choque cm as fronteiras da civilização. Aprenderam a
respeitá-los e perceberam a necessidade imperiosa de lhes assegurar algum
isolamento pra que sobrevivessem. Tinham uma consciência aguda de que, se os
fazendeiros penetrassem naquele incerto território, isolando os grupos
indígenas uns dos outros, acabariam com eles em pouco tempo. Não só matando,
mas liquidando as suas condições ecológicas de sobrevivência.” (RIBEIRO, Darcy.
Confissões. Cia das Letras, 1997. P.
194.)
[6] LIRA,
Sérgio Bacury de. SILVA, Márcio Luiz Monteiro da. PINTO, Rosenira Siqueira. Desigualdade e heterogeneidade no
desenvolvimento da Amazônia no século XXI.