Alexandre Martins Marialva[1]
A intervenção da Justiça em meio as relações educacionais é uma (triste) realidade, posta em prática graças a inaptidão do Estado em transportar garantias educacionais legalmente preceituadas do plano teórico para o prático. De tal forma, haja vista que a partir do momento em que tais garantias tornam-se direitos subjetivos dos cidadãos, e são desrespeitadas, elas também acabam por se relacionar com o Poder Judiciário, no sentido de que este possui o exercício da atividade jurisdicional, devendo, portanto, intervir ao ser provocado.
Assim sendo, torna-se oportuno demonstrar aqui as garantias mencionadas:
- Universalização do acesso e da permanência da criança e do adolescente;
- Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental;
- Atendimento especializado aos portadores de deficiência;
- Atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade;
- Oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador;
- Atendimento no ensino fundamental por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
- Direito de ser respeitado pelos educadores;
- Direito de contestar os critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
- Direito de organização e participação em entidades estudantis;
- Acesso à escola próximo da residência;
- Ciência dos pais e/ou responsáveis do processo pedagógico e participação na definição da proposta educacional;
- Pleno desenvolvimento do educando;
- Preparo para o exercício da cidadania e para o trabalho;
- Qualidade da educação.
A insatisfação de qualquer um desses direitos, por parte do poder público, gera a possibilidade de os interessados entrarem com as medidas cabíveis no âmbito do judiciário. Assim surge o fenômeno da judicialização da educação: quando o judiciário é provocado no intuito de se analisar e julgar aspectos relativos ao direito à educação.
Segue, portanto, alguns casos que retratam tal fenômeno:
1. Merenda escolar:
Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do Município de Sapé – PB e FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A ação tramitaperante o Tribunal Regional Federal da Paraíba – Seção judiciária – 2007.82.00.008137-5. Consta como pedido da ação civil pública: a) a regularização do fornecimento da merenda escolar, conforme o cardápio elaborado, sem deixar faltar um item sequer para a elaboração dos alimentos, inclusive os envolvidos na preparação (açúcar, óleo, gás de cozinha, água filtrada, etc.), promovendo a adequação do programa a todas as exigências previstas na lei e no regulamento; b) providencie a adequação das condições de transporte de alimentos perecíveis às escolas situadas fora do núcleo urbano, disponibilizando para tanto acondicionamento adequado por meio de freezers, etc. c) providencie a adequação das condições das escolas para a conservação e armazenamento dos gêneros alimentícios, disponibilizando água encanada, filtros, geladeiras, armários, e tudo o mais necessário conforme as normas de correta manipulação de alimentos previstas pela Vigilância Sanitária; d) Sejam disponibilizadas merendeiras ou servidores habilitados para o manuseio e preparo de alimentos para todas as escolas municipais, no prazo de 60 (sessenta) dias; e) seja estruturado o CAE – Conselho de Alimentação Escolar – para seu perfeito funcionamento mediante a disponibilização de sala de reuniões, computador, telefone, secretária e veículo para realização de inspeções e vistorias.
2. Condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência
APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança com pedido de Liminar – Portadora de Deficiência Física – Direito a ensino especializado – Legalidade – Dever do Município – Inteligência dos Artigos 208, I e III da CF; 227 “Caput” da CE; e da Lei 7853/89 – Sentença Mantida – Recursos oficial e voluntário do Secretário da Fazenda Municipal de Araçatuba Improvidos. (Apelação Cível n. 279.484-5/7-00. Comarca: Araçatuba. Apelante: Secretário Municipal da Fazenda de Araçatuba e Outro. Recorrente: Juízo “ex-officio”. Apelada: Maria Luiza Domingues Cardoso (menor representada por sua mãe). Ensino Especializado Criança com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor,atraso na fala e epilepsia. Inexistência de escola especializada na rede pública. Necessidade de garantir plena efetividade ao direito à educação Inteligência do artigo 208 da CF, artigo 249, § 1°t da CE, Lei n° 8 069/1990 (ECA), Leis Federais n° 7.853/1989 e 9.394/1996 Segurança concedida para determinar a matrícula do impetrante em instituição particular de ensino especializado Recurso voluntário e reexame necessário não providos (Apelação n. 752.718.5/4-00 – Comarca: Campinas (Paulinia). Apte: Prefeitura Municipal de Paulinea. Apdos: Paulo Eduardo Rodrigues da Silva (rep. p/ genitora) e outro).
3. Adequação do prédio escolar para o atendimento de aluno com deficiência
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Obrigação de Fazer – Interesse difuso – Adaptação de prédio de escola pública para portadores de deficiência física – Obrigação prevista nos artigos 127, par. 2º e 244 da CF, artigo 280 da CE – Legitimidade ativa do Ministério Público – Lei Federal nº 7853/89 – Inexistência de violação do princípio da violação da separação dos Poderes – Multa diária para o caso de descumprimento da obrigação – Inexistência de ilegalidade – Artigo 644 do CPC – Recurso providopara julgar a ação procedente (Apelação Cível n. 231.136-5/9-00, da Comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Ministério Público. Apelada: Prefeitura Municipal deRibeirão Preto).
4. Problemas disciplinares
ENSINO ESTADUAL – Freqüência do aluno ao estabelecimento em que se encontra matriculado – Questões disciplinares ensejaram transferência de escola – Inexistência de direito líquido e certo – Ordem denegada – Recurso desprovido. (AC n° 382.260.5/1-00 – Serra Negra – 2a Vara Cível – Voto n° 13.715 – Apte. Juliano Matrandrea de Barros Silveira (AJ). Apd°. Diretora da Escola Estadual Jovino Silveira).MANDADO DE SEGURANÇA. Suspensão do direito da utilização de serviço público gratuito, por motivo disciplinar. Observância do devido processo legal e direito de defesa. Não desatende ao devido processo legal e não exclui o direito de defesa, a suspensão do beneficio (transporte escolar gratuito) por motivo de indisciplina, se recedida da devida notificação ao responsável que, não obstante, não adotou nenhuma providência corretiva Segurança mal concedida. Recurso oficial provido para denegar a segurança (Apelação Cível n. 115.743.5/2-00, da Comarca de Palestina, em que é recorrente o Juízo. Ex Officio e recorrida Ana Rosa Araújo Gavião Silva).
A intervenção do judiciário em questões educacionais enseja uma série de consequências. A principal delas é a transferência de responsabilidade, não só do poder público para com o judiciário, - quando há inaplicabilidade das garantias educacionais legalmente instituídas, e este é provocado – mas da própria escola com o judiciário, no sentido de que a grande maioria dos problemas em que há o chamamento do judiciário, na verdade, poderiam ser resolvidos no próprio âmbito escolar, usando de recursos internos baseados no diálogo. Além disso, muitos magistrados, promotores, delegados, e demais operadores do direito, não têm o preparo necessário para se relacionar com problemas educacionais, pois muitos ainda cultuam o pensamento retrógrado de que a responsabilidade dos problemas da escola é da própria escola. Isso tudo, sem contar a mora processual advinda do excesso de burocracia tão característico do sistema jurídico brasileiro.
Ainda assim, pode-se concluir que a judicialização da educação acaba evidenciando a falha da Administração Pública em efetivar as diversas garantias legais educacionais. Contudo, a defesa desses direitos constitucional e infraconstitucionalmente reconhecidos é que faz avançar a prática estatal para a aplicação desses preceitos legais, ajudando, assim, a fortalecer o movimento cidadão em prol das melhorias na educação.
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[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, e integrante do Projeto Educação Básica: Direito Humano e Capital Social na Amazônia Paraense
[2] CURY, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Revista CEJ, Ano XIII, n. 45, p. 35.
REFERÊNCIAS:
- CURY, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Revista CEJ, Ano XIII, n. 45, p. 32-45. Disponível aqui.
- CHRISPINO, Alvaro Chrispino e CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Disponível aqui.
- VIEIRA, Edvaldo. A Política e as Bases do Direito Educacional. Disponível aqui.
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